quinta-feira, 27 de março de 2014

Investigação Social em Concursos Públicos

Investigação Social em Concursos Públicos


Em mais uma de minhas leituras pela internet encontrei um compêndio de informações úteis e resolvi compartilhar neste blog. Desta vez se trata de um resumo de vários julgados dos Tribunais Superiores feito pelo site Dizer o Direito. Em suma, o material aborda várias questões relevantes sobre a temida investigação social de vida pregressa dos candidatos que estão disputando vagas em concursos públicos. Eis o material.

quinta-feira, 27 de março de 2014
Investigação social
Em alguns concursos públicos, o edital prevê que os candidatos serão submetidos a uma fase do certame denominada de “sindicância da vida pregressa e investigação social”.
Nesta etapa, o órgão ou entidade que está realizando o concurso coleta informações sobre a vida prgressa, bem como a conduta social e profissional do candidato a fim de avaliar se ele possui idoneidade moral para exercer o cargo pleiteado.
Em regra, a investigação social é feita mediante a análise das certidões de antecedentes criminais do candidato. Alguns concursos preveem também que se forneça o nome de autoridades que serão consultadas sobre a índole do candidato. Existem, por fim, editais que exigem a apresentação de um “atestado de boa conduta social e moral” subscrito por uma autoridade declarando que desconhece qualquer fato desabonador na vida do postulante ao cargo.

A investigação social limita-se ao exame da existência de antecedentes criminais ou poderão ser analisados outros aspectos da vida do candidato?
Entende a jurisprudência do STJ que a investigação social não se resume a analisar a vida pregressa do candidato quanto às infrações penais que eventualmente tenha praticado. Em precedente da 6ª Turma, a Corte decidiu que deve ser analisada a conduta moral e social no decorrer de sua vida, visando aferir o padrão de comportamento diante das normas exigidas ao candidato da carreira policial, em razão das peculiaridades do cargo que exigem a retidão, lisura e probidade do agente público (STJ. 6ª Turma. RMS 24.287/RO, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora Convocada do TJ/PE), julgado em 04/12/2012).

A investigação social poderá ter caráter eliminatório?
SIM. A maioria das leis que rege as carreiras prevê que um dos requisitos para que qualquer pessoa tome posse no cargo público é a idoneidade moral. Sendo provada a falta dessa condição, é juridicamente possível a eliminação do candidato. Outro fundamento que pode ser invocado para justificar essa medida é o princípio constitucional da moralidade (art. 37 da CF/88).
Vale ressaltar que a investigação social não pode ter caráter classificatório, ou seja, não interfere na pontuação dos candidatos.
Se o eliminado discordar dos critérios utilizados pela banca poderá buscar auxílio do Poder Judiciário, que tem competência para analisar o ato de exclusão do candidato, quando houver flagrante ilegalidade ou descuprimento do edital (STJ. 1a Turma. RMS 44.360/MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 05/12/2013). Isso porque “não viola o princípio da separação dos poderes o controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos, incluídos aqueles praticados durante a realização de concurso público.” (STF. 1aTurma. ARE 753331 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/09/2013).

Caso seja constatado, na investigação social, que o candidato responde a um inquérito policial, ação penal ou tem contra si uma condenação ainda não transitada em julgado, tal circunstância, obrigatoriamente, implicará a sua eliminação do certame?
NÃO. A jurisprudência entende que o fato de haver instauração de inquérito policial ou propositura de ação penal contra candidato, por si só, não pode implicar a sua eliminação.
A eliminação nessas circunstâncias, sem o necessário trânsito em julgado da condenação, violaria o princípio constitucional da presunção de inocência.

Candidato aprovado para o cargo de Delegado de Polícia e que responde a ação penal, sendo acusado de crimes graves, pode ser eliminado do concurso público?
Como exposto acima, a jurisprudência entende que o candidato indiciado  em inquérito policial  ou condenado em sentença penal sem trânsito em julgado não pode ser eliminado do concurso público com base nessas circunstâncias. No entanto, o STJ possui um precedente recente afirmando que, em caso de cargos públicos de “maior envergadura”, em que os ocupantes agem stricto sensu em nome do Estado, é possível a eliminação do candidato que responde a processo penal acusado de crimes graves, mesmo que ainda não tenha havido trânsito em julgado. Segundo o Min. Ari Pargendler, o “acesso ao Cargo de Delegado de Polícia de alguém que responde ação penal pela prática dos crimes de formação de quadrilha e de corrupção ativa compromete uma das mais importantes instituições do Estado, e não pode ser tolerado.” (STJ. 1ª Turma. RMS 43.172/MT, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 12/11/2013).
Destaco esse precedente porque recentíssimo e para que saibam que ele existe, mas é importante ressaltar que se trata de julgado polêmico uma vez que o STF possui inúmeros acórdãos afirmando que “viola o princípio da presunção de inocência a exclusão de certame público de candidato que responda a inquérito policial ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória.” (STF. 1ª Turma. AI 829186 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 23/04/2013).

É possível a eliminação de candidato que tenha celebrado transação penal anteriormente?
NÃO. O STJ recentemente decidiu que um candidato aprovado a agente penitenciário federal não poderia ser eliminado do concurso pelo simples fato de ter celebrado transação penal. Conforme afirmou, corretamente, o Min. Relator, a transação penal não pode servir de fundamento para a não recomendação de candidato em concurso público na fase de investigação social, uma vez que não importa em condenação do autor do fato (art. 76 da Lei n.° 9.099/95) (STJ. 2ª Turma. REsp 1302206/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17/09/2013). No mesmo sentido: STF. 1ª Turma. ARE 713138 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 20/08/2013).

Se a banca examinadora, na fase de investigação social, determina que o candidato responda a um formulário sobre sua vida pregressa e este, propositalmente, omite informações, poderá ser eliminado do concurso por conta dessa conduta?
SIM. A omissão do candidato em prestar informações, conforme determinado pelo edital, na fase de investigação social ou de sindicância da vida pregressa, enseja a sua eliminação do concurso público (STJ. 2ª Turma. AgRg no RMS 39.108/PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 23/04/2013).

É possível eliminar o candidato pelo simples fato de ele possuir seu nome negativado nos serviços de proteção de crédito (exs: SPC, SERASA)?
NÃO. É desprovido de razoabilidade e proporcionalidade o ato que, na etapa de investigação social, exclui candidato de concurso público baseado no registro deste em cadastro de serviço de proteção ao crédito (STJ. 5ª Turma. RMS 30.734/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 20/09/2011).

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Proibir as Drogas

Proibir as Drogas


Boa tarde pessoal! Estive um tanto afastado das postagens do blog, mas hoje me deparei com o brilhante texto do professor Luiz Flávio Gomes, conhecido de muitos, e resolvi compartilhar aqui. Creio que nossa abordagem seja muito próxima, então mais um motivo para que esta publicação surja por também neste blog.

Em épocas de marcha pela liberação da maconha e tudo mais é um assunto que nunca sai de moda, nada como conhecer mais alguns argumentos e ter a oportunidade de enriquecer seu conhecimento. Logo, vamos a ele!




Proibicionismo das drogas
1 de outubro de 2013 9:00 - Atualizado em 30 de setembro de 2013 16:33

(de como o ignorantismo fomenta o crime organizado) Artigos do prof. LFG


LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e coeditor do portal atualidades do direito.com.br. Estou no facebook.com/blogdolfg

Tudo começou com o proibicionismo de origem moralista nos EUA e na Europa na década de 20 (século XX). Grupos morais radicais (de fundo religioso), nesse tempo, conseguiram levar para o campo legal (e penal) incontáveis proibições relacionadas às drogas. Acreditavam que, com a lei, as drogas desapareceriam do mundo. Há um século acredita-se nisso e os efeitos devastadores drogas prosseguem. Jogaram energia na proibição assim como na oferta das drogas. Esqueceram do consumo e do consumidor. Sobretudo da sua educação. Gastaram trilhões de dólares. Invasões arbitrárias e anti-soberanas de muitos países ocorreram. Enfocou-se o uso de drogas como um desvio de conduta (um desvio moral).  Isso gerou um problema de proporções internacionais. Para combater o vício e a degradação pessoal, deu-se ao tema uma priorização militar. Erro grave de perspectiva. Colocaram nas mãos da polícia um problema antes de tudo social (saúde pública). Milhões foram encarcerados. O vício não desapareceu. Aumentou. As drogas não diminuíram. Aumentaram. A oferta continua alta e a cada dia inventam uma nova droga. Porque existe demanda!

A polícia e o presídio entendem de saúde pública tanto quanto a Lua de lagostas. O mercado ilícito das drogas explodiu. Riquezas incalculáveis. Bilhões de dólares todos os anos. Nunca nenhuma sociedade deixou de ter admiradores das drogas (hoje isso gira em torno de uns 5% da população mundial, segundo a ONU). Em grande medida é improdutivo proibir aquilo que as pessoas querem consumir (álcool, drogas, cigarro). É mais ou menos como proibir o sexo (os que disso são interditados se rebelam quase que diariamente). Melhor controle das pessoas se faz pela educação. Mudança de hábitos. A liberdade delas está na superação do vício, não no castigo. Já conseguimos êxitos incríveis em relação aos fumantes.

Em lugar de os moralistas fazerem suas pregações e discursos no sentido da conscientização das pessoas (como hoje, com sucesso, estamos fazendo com o fumo; a cada dia milhares de pessoas deixam de fumar), preferiram disseminar o proibicionismo. Apagaram luzes quando já se aproximava a escuridão. O enganoso proibicionismo é um apagar de luzes. Nunca jamais diminuiu a oferta das drogas, nem de consumidores. Invade-se um país, a droga brota em outro. Queima-se quimicamente uma região, outra floresce. Elimina-se um tipo de droga, mil outros aparecem. Implacável é a lei do mercado: onde há procura, sempre tem oferta.

Os incansáveis moralistas, não contentes com proibir as drogas, caíram na tentação de proibir também o álcool (de 1920 a 1933). Boa parcela da população europeia e das Américas jamais abriu mão desse fermentado líquido combatente “das tristezas e das desgraças”. Também apreciado nas alegrias. Inspiração, para muitos, em todas as horas. Fizeram a riqueza dos grupos organizados, hoje verdadeiros “estados transversais” mais fortes economicamente (muitas vezes) que muitos países. O crime organizado aplaude sempre o proibicionismo, porque, em verdade, tem como aliada a ignorância do ser humano. Até criaram sistemas econômicos fundados na proibição de produtos e serviços.

É da ignorância que nasce parcela da fortaleza do crime organizado (que coloca à disposição do consumidor ávido por vitimização aquilo que a lei proíbe). Não importa o que seja. Onde há demanda, sempre haverá oferta. Terrível é que a ignorância nunca fica ilhada. Seu parceiro inseparável é o ignorantismo: sistema sustentado por aqueles que defendem a relevância da ignorância, alegando que a instrução e a ciência apenas resultam em desmoralização e ruína das sociedades. Inversão total de valores. Quanto mais ignorância, mais riqueza para o crime. Quanto mais ignorante o povo, mais fácil a conquista do seu voto e seu domínio. Quanto mais ignorante a nação, mais o parasitismo se instala. Somente um em cada 4 pessoas, no Brasil, sabe ler ou escrever ou compreender o que leu ou fazer operações matemáticas básicas (M.A. Setúbal, Folha 15/9/13, p. A3).

A proibição do álcool enriqueceu e fortaleceu as máfias, aumentou o nível de repressão policial e de corrupção, nunca fez diminuir o hábito de beber da população (que só se retrai onde há conscientização) e culminou por disseminar produtos paralelos de qualidade baixíssima, agravando os problemas de saúde pública. O proibicionismo é típico da ilha de Tomás Morus, chamada “Utopia”, que significa lugar nenhum. O proibicionismo das drogas continua alimentando muitas guerras e muita riqueza ilícita. Inclusive de alguns policiais. Tudo, depois, passa pelos bancos (em forma de lavagem). Riqueza também para o mundo das finanças. A economia sempre prospera. Todos agradecem. A economia gira. É ele (proibicionismo) que dá vida para o narcotráfico matar pessoas. Algumas por livre vontade (os usuários), outras por meio da violência. Mas também por livre vontade nos destruímos por meio do cigarro, do açúcar, da bebida e da gordura. Também por intermédio das drogas. Nossa predileção é pela destruição (da natureza, dos outros seres humanos e de nós mesmos). A única esperança é a evolução ética do ser humano. Nisso é que temos que investir, diuturnamente. É o caminho da salvação. Um dia vai chegar. Não vamos ficar apenas no grande meio-dia de Nietzsche.

sábado, 10 de agosto de 2013

Novas Leis Importantes



Novas Leis Importantes

                Olá pessoal. Demorei um pouco, mas ainda assim resolvi trazer novos pontos que merecem serem cuidados daqui pra frente por serem leis que saíram agora do forno. Algumas de suma importância para concursos, sobretudo da área da segurança pública.

                É possível que algumas delas passem a ser cobradas em provas de forma relacionada ao resto da matéria que abordam. As provas adoram pedir lei seca nessas horas para aferir o grau de atualização do candidato. Atenção especial na nova lei sobre Organizações Criminosas que revogou a antiga e famigerada Lei 9.034/95.

                Somente a título de informação, todas elas são de agosto em diante:

                - Lei 12.845/13 - Dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. No meu modesto entender algo desnecessário por ser óbvio, mas no Brasil precisamos de lei para impor uma boa política de atuação em qualquer área, então andou bem o legislativo nesse sentido.

                - Lei 12.846/13 – Responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. Recomendo a leitura deste resumo publicado no site Dizer o Direito sobre o tema.

              - Lei 12.847/13 – Institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; Cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Essa lei anda pari passu com a Lei que tipifica os crimes de tortura, lei 9.455/97 que os concursos adoram. Ela traz alguns conceitos, princípios e diretrizes.

                - Lei 12.850/13 – Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Muito se ouvirá falar desta lei, merece uma postagem exclusiva e com certeza os novos manuais irão se debruçar muito sobre ela. Se a antiga lei causava polêmica ao tratar de assuntos ligados aos direitos e garantias fundamentais, esta trouxe muitas novidades, inclusive promovendo alterações pontuais no Código Penal, cito a supressão do crime de quadrilha ou bando que passou a ter o rubrica agora de Associação Criminosa e exigir apenas 3 pessoas.

                - Lei 12.852/13 – Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude – SINAJUVE. A título de informação, o presente estatuto considera jovem as pessoas com idade compreendida entre 15 e 29 anos de idade, sem prejuízo da aplicação da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – aos que estiverem entre os 15 e 18 anos de idade no que não for conflitante. Não tenho dúvida que será mais um pedida para cobrar essas cláusulas abertas da cartilha em provas e concursos em geral.

                Em suma, o mês de agosto trouxe grandes novidades, estes são apenas alguns dos pontos que considero mais relevantes para atuação profissional de operadores do direito que tendem a se refletir diretamente no ramo dos concursos. Pelo menos uma leitura descompromissada nessas leis é algo que vem a calhar, sem descuidar das organizações criminosas que sem demora a doutrina e os tribunais tendem a esmiuçar ela com ênfase nas peculiaridades dos casos práticos.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Nova Lei Dispondo sobre os Poderes Investigatórios do Delegado

Nova Lei Dispondo sobre os Poderes Investigatórios do Delegado
 
 
 
 
Olá amigos, quero me desculpar pela ausência logo agora que comecei a despertar a atenção de alguns leitores com alguns temas polêmicos. Mas a falta de tempo me impõe tal situação em meio a trabalho e estudos. Para tirar a poeira por aqui achei que veio a calhar tratar sobre esse tema ante a pertinência temática total que este espaço procura cultivar.

Pensava em escrever sobre a nova lei, todavia como ainda não havia começado e seria algo bem resumido também, fui surpreendido por esse texto de qualidade do Juiz Federal Márcio Cavalcante que foi publicado pelo site do Dizer o Direito e que passo a compartilhar com vocês. Espero que gostem, grande abraço!
 
Comentários à Lei 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida por Delegado de Polícia.
Márcio André Lopes Cavalcante
Juiz Federal Substituto (TRF da 1ª Região).
Foi Defensor Público, Promotor de Justiça e Procurador do Estado.
Foi recentemente publicada a Lei n.° 12.830, de 20 de junho de 2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.
Vamos conhecer um pouco mais sobre esta importante inovação legislativa.

Considerando que o assunto é extremamente polêmico, ressalto, desde já, que a presente exposição tem fins meramente didáticos, sem o objetivo deliberado de encampar ou criticar qualquer das diversas posições institucionais existentes.
Contexto em que foi editada a Lei
A investigação criminal tem sido um tema bastante discutido, atualmente, por conta da tramitação da PEC 37, no Congresso Nacional. Esta proposta de emenda constitucional acrescenta o § 10 ao art. 144 da CF/88, prevendo que a apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo incumbem privativamente às Polícias Federal e Civil.
Há um acalorado debate envolvendo, de um lado, os Delegados de Polícia e, de outro, os membros do Ministério Público, conforme vocês já devem ter acompanhado pela imprensa ou nas redes sociais.
No contexto desta discussão, foi aprovada a Lei n.° 12.830/2013, que não retira a possibilidade de investigação de crimes por parte do Ministério Público (até porque se o fizesse, por meio de lei, seria inconstitucional), mas tinha como objetivo firmar a tese de que a decisão final das diligências a serem realizadas no inquérito policial seria do Delegado de Polícia.
Objetivos da Lei n.° 12.830/2013
Examinando o texto da Lei, parece-me que as entidades de classe dos Delegados de Polícia (que lutaram pelo projeto) tinham dois objetivos principais com a sua aprovação:
1) Obter o reconhecimento de que as funções exercidas pelo Delegado de Polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado, devendo, portanto, a classe ser equiparada, para todos os efeitos, com as demais carreiras de Estado (Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública etc.).
2) Fazer constar, no texto legal, a tese institucional de muitos membros da classe de que a decisão final sobre a realização ou não das diligências no inquérito policial pertence ao Delegado de Polícia.
Conforme será demonstrado à frente, o primeiro objetivo foi conseguido. Quanto ao segundo, no entanto, não se obteve êxito, considerando que o dispositivo que poderia sinalizar no sentido desta conclusão foi vetado pela Presidente da República.
Vejamos cada um dos artigos da nova Lei:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.
Segundo o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, a investigação de crimes não é uma atividade exclusiva das Polícias Civil e Federal.
A investigação criminal pode ser realizada por meio de outros órgãos, como por exemplo: Comissões Parlamentares de Inquérito, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Banco Central, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), IBAMA, Ministério Público.
A investigação criminal promovida pela Polícia é feita por meio do inquérito policial (ou TCO), que tramita sob a presidência do Delegado de Polícia.
Vale ressaltar, para que não fique nenhuma dúvida, que o art. 1º não está afirmando que a investigação criminal somente pode ser realizada pelo Delegado de Polícia. De forma alguma. O que diz este artigo é que a presente Lei regula a investigação feita pelo Delegado (inquérito policial ou TCO).
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
Natureza jurídica
Consiste em uma importante conquista para a classe de Delegados de Polícia. Havia alguns entendimentos no sentido de que as funções desempenhadas pelo Delegado não poderiam ser classificadas como jurídicas, considerando que seriam atividades materiais de segurança pública, conforme previsão do art. 144 da CF/88.
Tratava-se, contudo, de conclusão muito estreita, tendo em vista que o cargo de Delegado de Polícia é privativo de bacharel em Direito e muitas das funções por ele desempenhadas são atividades de aplicação concreta das normas jurídicas aos fatos apresentados, como é o caso do indiciamento, da representação por medidas cautelares e da elaboração do relatório.
Essenciais e exclusivas
A atividade policial é essencial em um Estado de Direito, sendo também exclusiva do Poder Público, considerando que, mesmo em sistemas liberais com modelos de Estado mínimo, não se chegou ao ponto de conceber a possibilidade de transferência das funções policiais para a iniciativa privada.
O art. 2º da Lei veda a investigação de crimes por parte de particulares, como no caso da “investigação criminal defensiva”?
Não. Quando o art. 2º utiliza a palavra “exclusivas”, ele não está afirmando que a apuração de infrações penais, por qualquer meio, é uma atribuição apenas do Estado. O que se preconiza é que a função de apuração de infrações penais exercida por meio do aparato estatal e conduzida por Delegado de Polícia não pode ser transferida à iniciativa privada. Em suma, veda-se a “terceirização” ou “privatização” da atividade investigativa estatal.
Não se pode concluir, ao extremo, que somente o Poder Público possa apurar crimes. A imprensa, os órgãos sindicais, a OAB, as organizações não governamentais e até mesmo a defesa do investigado também podem investigar infrações penais. Qualquer pessoa (física ou jurídica) pode investigar delitos, até mesmo porque a segurança pública é “responsabilidade de todos” (art. 144, caput, da CF/88).
Obviamente que a investigação realizada por particulares não goza dos atributos inerentes aos atos estatais, como a imperatividade, nem da mesma força probante, devendo ser analisada com extremo critério, não sendo suficiente, por si só, para a edição de um decreto condenatório (art. 155 do CPP). Contudo, isso não permite concluir que tais elementos colhidos em uma investigação particular sejam ilícitos ou ilegítimos, salvo se violarem a lei ou a Constituição.
Registre-se que o projeto do novo Código de Processo Penal (Projeto de Lei n.° 156/2009) prevê, expressamente, o instituto da “investigação criminal defensiva” que, mesmo sem estar ainda regulamentado, é plenamente possível pelas razões acima expostas, bem como por ser um corolário da garantia constitucional da ampla defesa.
Qual é a abrangência da expressão “polícia judiciária”?
As Polícias Civil e Federal exercem duas funções principais:
a) Investigar infrações penais, coletando provas sobre autoria e materialidade;
b) Auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo ordens judiciais, como o mandado de prisão, a busca e apreensão, a condução coercitiva, entre outros.
Para uma primeira corrente da doutrina, a expressão “polícia judiciária” abrange as Polícias Civil e Federal no exercício da investigação de infrações penais ou no auxílio do Poder Judiciário. Em suma, polícia judiciária é a Polícia Civil ou Polícia Federal desempenhando quaisquer de suas atribuições.
Esta posição está baseada na interpretação do art. 4º, caput, do CPP, que não faz distinção ao utilizar o termo:
Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Para uma segunda corrente, a Polícia Civil e a Polícia Federal podem ser “polícia judiciária” ou “polícia investigativa”, a depender da função que estejam exercendo. Assim, a expressão “polícia judiciária” não abrange todas as atribuições da Polícia, mas apenas parte delas. É preciso, portanto, diferenciar: “polícia judiciária” é a Polícia Civil ou Polícia Federal quando estiver praticando atos no auxílio do Poder Judiciário. Por outro lado, quando a Polícia atuar na investigação e coleta de provas sobre a autoria e materialidade de infrações penais, ela é “polícia investigativa” (e não “polícia judiciária”).
Esta posição encontra fundamento no art. 144, § 1º, I, da CF/88, que, diferencia a função de “polícia judiciária” da atribuição da Polícia de apurar infrações penais. Veja:
Art. 144 (...)
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais (...)
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
A primeira posição é majoritária na doutrina e na jurisprudência (vide, por exemplo, a redação da Súmula Vinculante n.° 14-STF). No entanto, percebe-se, claramente, que o art. 2º da Lei n.° 12.830/2013 adotou a segunda corrente, que representa o entendimento prevalente entre os Delegados de Polícia.
§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.
O Código de Processo Penal e a legislação processual extravagante utilizam, em várias oportunidades, a expressão “autoridade policial”. Vale ressaltar que até mesmo a CF/88 emprega esta terminologia em uma oportunidade (art. 136, § 3º, I).
Quem é considerado “autoridade policial”?
Existem duas correntes sobre o assunto:
1ª) Para uma primeira posição, autoridade policial é o Delegado de Polícia (Civil ou Federal) e, no caso de investigações militares, o Oficial militar responsável pelo inquérito.
2ª) Em um segundo entendimento, autoridade policial não seria necessariamente o Delegado de Polícia, mas sim o agente público estatal designado para exercer as funções de autoridade policial, podendo ser um policial civil ou militar, por exemplo. É a tese defendida por alguns para que os policiais militares possam lavrar termo circunstanciado de ocorrência no caso de infrações de menor potencial ofensivo (art. 69 da Lei n.° 9.099/95).
Feita a ressalva quanto à existência desta discussão, deve-se deixar claro que a posição amplamente majoritária é no sentido de que a autoridade policial é, realmente, apenas o Delegado de Polícia, sendo importante que assim o seja, pois as atividades por ele desempenhadas exigem conhecimentos jurídicos e responsabilidade proporcional a este cargo.
A previsão deste § 1º reforça os argumentos da 1ª corrente acima exposta, tendo em vista que o termo circunstanciado de ocorrência é um procedimento previsto em lei que tem como objetivo apurar uma infração penal.
Este § 1º proíbe que sejam realizadas investigações criminais por outros órgãos?
Não. Deve-se esclarecer que este § 1º não veda que investigações criminais sejam conduzidas por outros órgãos. Isso porque este dispositivo deverá ser interpretado sistematicamente com o art. 4º, caput e parágrafo único, do CPP, que continuam em vigor.
Assim, a correta exegese do § 1º é a de que o Delegado de Polícia é a autoridade policial, de forma que, no inquérito policial e nos demais procedimentos de investigação realizados pela polícia, é ele o responsável pela condução.
Em suma, a Lei confirma aquilo que a doutrina já ensinava: é possível a investigação realizada por meio de outros órgãos, no entanto, a presidência do inquérito policial (ou de outros procedimentos investigatórios da polícia) é incumbência do Delegado de Polícia.
O fato do Delegado de Polícia possuir a prerrogativa da condução do inquérito policial significa dizer que ele pode se negar a cumprir as diligências requisitadas pelo Ministério Público?
Não. O inquérito policial possui como característica o fato de ser um procedimento discricionário, ou seja, o Delegado de Polícia tem liberdade de atuação para definir qual é a melhor estratégia para a apuração do delito. Justamente por conta disso, a legislação previu que a autoridade policial pode indeferir diligências requeridas pelo indiciado ou pela vítima (art. 14 do CPP). Este indeferimento, por óbvio, está sujeito ao controle jurisdicional, podendo ser revisto caso irrazoável. Isso porque discricionariedade não se confunde com arbitrariedade.
A discricionariedade do IP, no entanto, é mitigada em se tratando de requisições formuladas pelo Ministério Público. Considerando que o Parquet é o titular da ação penal e que uma das finalidades do IP é coletar elementos informativos para a formação do convencimento (opinio delicti) do membro do MP, nada mais lógico que este tenha a prerrogativa de requisitar (com força de obrigatoriedade) a realização de diligências que, para ele, irão ser de fundamental importância na construção do seu convencimento.
Além de lógico e coerente com o sistema, a prerrogativa de requisição de diligências pelo Ministério Público é prevista expressamente no CPP e na própria CF/88:
Código de Processo Penal
Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:
II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público;
Constituição Federal
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
Vale ressalvar, no entanto, que, se a requisição do membro do Ministério Público for manifestamente ilegal, a autoridade policial não é obrigada a atendê-la, devendo, de forma motivada, recusar o cumprimento.
§ 2º Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.
Para que o Delegado de Polícia possa realizar a atividade investigatória é indispensável que detenha meios de coleta das provas. O CPP traz, em seus arts. 6º e 7º, um rol de diligências investigatórias que podem ser determinadas pela autoridade policial (Delegado de Polícia).
Como o CPP é antigo e foi idealizado tendo como alvo crimes violentos, patrimoniais e sexuais, o elenco dos arts. 6º e 7º encontra-se há muito tempo desatualizado, especialmente diante das novas formas de criminalidade (crimes de escritório, cibernéticos etc.). Justamente por isso, a doutrina e a jurisprudência afirmam, de forma uníssona, que as diligências ali previstas são exemplificativas.
Na verdade, sempre se defendeu que o Delegado pode, diretamente, requisitar quaisquer provas necessárias à investigação, ressalvadas aquelas diligências cuja CF/88 exige autorização judicial (cláusula de reserva de jurisdição), tais como interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário e fiscal, busca apreensão etc.
Desse modo, o dispositivo apenas reforça o entendimento da doutrina e da jurisprudência, não consistindo propriamente uma inovação no mundo jurídico.
Este § 2º proíbe que o Ministério Público requisite, ao Delegado de Polícia, diligências investigatórias?
Não. Os arts. 13 e 16 do CPP continuam em vigor e não foram afetados por este § 2º. Como já exposto acima, a prerrogativa do Ministério Público de requisitar diligências investigatórias encontra fundamento constitucional (art. 129, VIII), de sorte que não poderia ser abolida por lei infraconstitucional.
§ 3º O delegado de polícia conduzirá a investigação criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade. (PARÁGRAFO VETADO)
O § 3º do art. 2º foi vetado pela Presidente da República.
A chefe do Poder Executivo apresentou as seguintes razões para o veto:
“Da forma como o dispositivo foi redigido, a referência ao convencimento técnico-jurídico poderia sugerir um conflito com as atribuições investigativas de outras instituições, previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Desta forma, é preciso buscar uma solução redacional que assegure as prerrogativas funcionais dos delegados de polícias e a convivência harmoniosa entre as instituições responsáveis pela persecução penal.”
O dispositivo vetado era o que mais gerava polêmica no projeto e o que recebia as maiores críticas por parte dos membros do Ministério Público que, por meio de suas associações, trabalharam pela sua rejeição.
Na prática forense, observa-se, com alguma frequência, a divergência de opiniões entre o Delegado que preside o inquérito policial e o Promotor de Justiça/Procurador da República que atua no caso sobre a pertinência ou não de determinadas diligências.
O Delegado de Polícia conclui o inquérito, faz o relatório e envia para apreciação do Ministério Público. Este, nos termos do art. 16 do CPP, entende que é necessária a realização de novas diligências e faz a requisição nesse sentido. Sucede que, em algumas oportunidades, o Delegado reputa que tais diligências são dispensáveis, inócuas ou mesmo inadequadas, recusando-se a cumprir a requisição e devolvendo o IP. O Ministério Público, como regra, não concorda com este juízo de valor feito pela autoridade policial e insiste nas diligências, surgindo, assim, um incômodo e improdutivo impasse.
Como já explicado linhas atrás, para a maioria da doutrina e da jurisprudência, não há discricionariedade do Delegado de Polícia na condução do IP no que tange às requisições formuladas pelo Ministério Público. Assim, para a posição majoritária, a autoridade policial não pode se recusar a cumprir a requisição ministerial de novas diligências, salvo em caso de flagrante ilegalidade.
O § 3º do art. 2º do projeto aprovado tinha como objetivo mudar este entendimento majoritário, fazendo com que constasse, de forma expressa em lei, que a condução da investigação criminal seria feita pelo Delegado de Polícia conforme o seu livre convencimento técnico-jurídico. Em outras palavras, o objetivo era fazer com que a decisão final sobre a realização ou não das diligências investigatórias no inquérito policial ficasse a cargo do Delegado de Polícia.
O outro propósito deste § 3º era o de reafirmar a tese expressa na PEC 37, qual seja, o de que a investigação criminal é atribuição da Polícia, sob a condução do Delegado.
O veto presidencial pode ser feito por duas razões:
        Quando a norma aprovada contraria o interesse público (veto político);
        Quando a norma aprovado é inconstitucional (veto jurídico).
No caso concreto, a Presidente vetou o § 3º alegando “contrariedade ao interesse público” (veto político). Apesar disso, penso que, mesmo se tivesse sido sancionado, este § 3º somente poderia ser considerado válido se não provocasse mitigação do poder de requisição do Ministério Público. Em outras palavras, se o veto for derrubado, este § 3º deverá ser interpretado conforme a Constituição (art. 129, VIII), no sentido de que o Delegado de Polícia conduzirá a investigação criminal de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, não podendo, contudo, negar cumprimento às requisições do Ministério Público, considerando que estas possuem previsão em norma constitucional de eficácia plena, que não pode ser restringida por lei.
Vejam agora que interessante: mesmo o dispositivo tendo sido vetado, o Delegado de Polícia continua conduzindo a investigação criminal policial (inquérito policial e termo circunstanciado) de acordo com seu livre convencimento técnico-jurídico, com isenção e imparcialidade. Isso porque, como já afirmado, o livre convencimento técnico-jurídico do Delegado decorre da característica do IP de ser discricionário. Esta discricionariedade, contudo, não é absoluta, conforme também explicado, não podendo a autoridade policial recusar cumprimento às diligências requisitadas pelo Ministério Público. A isenção e imparcialidade, por seu turno, são consequências dos princípios da impessoalidade e moralidade, insculpidos no art. 37, caput, da CF/88.
Atenção, contudo, no caso de provas de concurso público: se a alternativa da questão afirmar que o Delegado de Polícia possui livre convencimento técnico-jurídico na condução da investigação criminal, tal assertiva é INCORRETA, considerando que o examinador estará apenas querendo saber se o candidato conhece o fato de que o dispositivo que previa isso foi vetado.
Observação final: apesar de não estar explícito, as razões de veto divulgadas sinalizam que a Presidência da República concorda com a tese de que o Ministério Público detém o poder de investigação. De qualquer modo, juridicamente, a opinião do Poder Executivo quanto ao tema pouco importa, considerando que a questão será dirimida, de forma definitiva, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal ou pelo Congresso Nacional, se aprovada a PEC 37.
§ 4º O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.
Inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei:
Atualmente, as duas únicas formas típicas de investigação criminal previstas em lei e conduzidas por Delegado de Polícia são o inquérito policial e o termo circunstanciado.
Avocar: ocorre quando o superior hierárquico retira o Delegado da condução do IP ou do TC e passa ele próprio a dirigir o procedimento.
Redistribuir: ocorre quando o superior hierárquico retira o Delegado da condução do IP ou do TC e designa outro Delegado para dirigir o procedimento.
Superior hierárquico:
É definido pela lei orgânica de cada Polícia e pelos demais atos normativos internos.
Em linhas gerais, pode-se apontar o seguinte:
        Polícia Civil: o superior hierárquico com poderes para avocar ou redistribuir os procedimentos é o Delegado-Geral.
        Polícia Federal: esta função de superior hierárquico é exercida pelo Superintendente-Regional.
Instrumento por meio do qual o procedimento pode ser avocado: despacho fundamentado exarado pelo superior hierárquico.
Hipóteses nas quais poderá haver a avocação ou a redistribuição:
a) Motivo de interesse público;
b) Se o Delegado descumprir os procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.
A avocação ou a redistribuição do procedimento investigatório viola a CF/88?
Não, desde que fundamentada. Isso porque tanto o IP como o TC são procedimentos administrativos, submetidos, portanto, às regras aplicáveis aos atos administrativos. Os atos administrativos podem ser avocados, delegados ou redistribuídos, desde que não haja previsão legal em sentido contrário. Trata-se de uma decorrência do poder hierárquico e, como a estrutura da Polícia é hierarquizada, a ela se aplica esta característica.
Análise crítica da previsão
Rigorosamente, este § 4º seria dispensável, considerando que todo ato administrativo precisa ser motivado. No entanto, é salutar a previsão para que haja uma disciplina mais nítida ao tema, garantindo maior segurança jurídica. Ademais, existe corrente (minoritária) que sustenta que alguns atos administrativos não precisam ser motivados. Desse modo, repita-se, foi acertada a previsão.
O que se lamenta é a utilização de expressões tão vagas na definição das hipóteses nas quais é possível a avocação e a redistribuição do procedimento. Isso enfraquece o controle que poderia ser exercido sobre tais atos, a fim de evitar avocações ou redistribuições casuísticas.
§ 5º A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.
É extremamente salutar a previsão expressa de que a remoção do Delegado precisa ser um ato fundamentado como forma de minimizar favorecimentos e perseguições decorrentes do trabalho de tais profissionais.
Critica-se o fato de a lei não ter elencado hipóteses nas quais seria permitida a remoção do Delegado de Polícia, o que certamente seria muito mais relevante sob o ponto de vista da segurança jurídica. Isso porque, muitas vezes, a remoção ex officio de um Delegado que incomode o Governante ou a direção da Polícia para outra Delegacia pode ser motivada por argumentos como “necessidade do serviço” sem que a veracidade de tal fundamentação possa, em muitos casos, ser controlada de forma satisfatória pelo Poder Judiciário.
A remoção de que trata este § 5º abrange apenas a transferência para cidades diferentes?
Não. O objetivo da norma é o de resguardar o Delegado de Polícia de remoções motivadas por razões espúrias. Esta previsão traz a garantia de que a autoridade policial não será afastada das atividades que está exercendo sem que haja um motivo justificado. Assim, a transferência do Delegado de uma Delegacia para outra deverá também ser fundamentada.
Com esta nova previsão, o Delegado de Polícia passou a gozar da garantia da inamovibilidade?
Não. A inamovibilidade é uma garantia constitucional, conferida aos membros da Magistratura (art. 95, II), do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, “b”) e da Defensoria Pública (art. 134, § 1º), por meio da qual se assegura aos integrantes dessas carreiras que eles não serão removidos do juízo ou ofício ondem atuam nem afastados dos processos em que funcionam, salvo se, por vontade própria, ou por motivo de interesse público.
Quando é assegurada a inamovibilidade aos membros de determinada carreira, isso significa que a regra é a impossibilidade de remoção ex officio. Excepcionalmente, admite-se por motivo de interesse público.
No caso dos Delegados de Polícia, não há uma regra constitucional impedindo a remoção ex officio. A previsão do § 5º simplesmente afirma que a remoção do Delegado de Polícia, seja voluntária ou de ofício, deve ser motivada (como, aliás, todos os atos administrativos).
Lamenta-se o fato dos Delegados de Polícia ainda não gozarem de inamovibilidade, devendo ser esta realidade alterada como forma de resguardar o interesse público das investigações.
§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.
A previsão deste § 6º faz constar, em lei, algumas características do indiciamento que já eram consagradas na doutrina:
“O indiciamento é o ato resultante das investigações policiais por meio do qual alguém é apontado como provável autor de um fato delituoso. Cuida-se, pois, de ato privativo da autoridade policial que, para tanto, deverá fundamentar-se em elementos de informação que ministrem certeza quanto à materialidade e indícios razoáveis de autoria.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013, p. 111).
Houve, no entanto, uma evolução no tratamento do tema ao se exigir, de forma textual, que o ato de indiciamento seja motivado, o que não era feito em uma grande quantidade de casos. Veja o que afirma o membro do MP paulista Mário Sérgio Sobrinho:
“A legislação brasileira deveria evoluir, adotando a regra da explicitação das razões para a classificação do fato em determinado tipo penal, (...) ao mesmo tempo em que a lei deveria fixar a obrigatoriedade da motivação do ato de indiciamento. É inegável que o ato de indiciamento exige juízo de valor, o qual, nos meandros do inquérito policial, é exercitado pela autoridade policial que preside a investigação. Por isso, dever-se-ia exigir desta a explicitação de suas razões, ao determinar o indiciamento, as quais deveriam ser apresentadas no inquérito policial para que fossem conhecidas pelo indiciado e seu defensor, pelo órgão do Ministério Público e, quando necessário, pelos juízes e tribunais.” (A identificação criminal. São Paulo: RT, 2003, p. 100).
Vale ressaltar que, mesmo antes desta previsão legal, alguns Estados possuíam atos normativos infralegais determinando que o ato de indiciamento, realizado pela autoridade policial, deveria ser fundamentado. É o caso, por exemplo, da Portaria n.° 18/98 da Delegacia Geral de Polícia do Estado de São Paulo. No âmbito da Polícia Federal, mesmo antes da Lei, o ato de indiciamento já era obrigatoriamente motivado, por força da Instrução Normativa n.° 11/2001.
Cumpre mencionar, por fim, que, sendo o ato de indiciamento privativo do Delegado de Polícia, é equivocado e inadmissível que o juiz, o membro do Ministério Público ou a CPI requisitem o indiciamento de qualquer suspeito. Esse era o entendimento da doutrina antes da Lei e que agora é reforçado com este § 6º. Confira o que há anos já ensinava Nucci:
“(...) não cabe ao promotor ou ao juiz exigir, através de requisição, que alguém seja indiciado pela autoridade policial, porque seria o mesmo que demandar à força que o presidente do inquérito conclua ser aquele o autor do delito. Ora, querendo, pode o promotor denunciar qualquer suspeito envolvido na investigação criminal (...)” (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e execução penal. São Paulo: RT, 2006, p. 139).
Art. 3º O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.
O Delegado de Polícia deverá receber o mesmo tratamento protocolar que recebem os Magistrados, membros da Defensoria Pública, do Ministério Público e os Advogados. Assim, por exemplo, o pronome de tratamento a ser utilizado quando em correspondências oficiais aos Delegados passa a ser “Vossa Excelência”.
Alegação de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa
A presente lei resultou de um projeto apresentado por um Deputado Federal. Diante disso, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) defendeu, em nota técnica, que haveria uma inconstitucionalidade por vício de iniciativa tendo em vista que a lei dispõe sobre o regime jurídico de servidores públicos e a iniciativa para esta matéria pertenceria ao chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 61, § 1º, II, “c”, da CF/88:
§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
II - disponham sobre:
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
Com o devido respeito, penso que a tese não prospera. A Lei n.° 12.830/2013 não versa sobre o regime jurídico dos Delegados de Polícia, ou seja, direitos, deveres, responsabilidades, remuneração. A Lei versa sobre a atuação do Delegado de Polícia na investigação criminal. Mesmo quando a Lei impõe requisitos e prerrogativas para a carreira de Delegado, como no caso do art. 3º, o que se observa é que tais aspectos estão relacionados com a atuação da autoridade policial na investigação, não havendo o propósito de regular a relação jurídica existente entre os Delegados de Polícia e o Poder Público. A Lei n.° 12.830/2013 versa, portanto, sobre matéria atinente ao direito processual penal (art. 22, I, da CF/88), sendo de iniciativa concorrente.
Bibliografia
LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de Processo Penal. Niterói: Impetus, 2013.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e execução penal. São Paulo: RT, 2006.
SÉRGIO SOBRINHO, Mário. A identificação criminal. São Paulo: RT, 2003.
Artigo elaborado em 23/06/2013.